sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Não me lembro quando foi a última vez em que se discutiu tanto sobre política aqui em BH. Acho que, desde de que me entendo por gente, não vi uma discussão tão generalizada e alguns momentos apaixonado por um dos lados. Lamento apenas o fato de ser o estopim das discussões a completa mediocridade dos candidatos e coligações feitas.

Principalmente no segundo turno, ficamos reféns de dois fogos infernais, de um lado um imbecil populista, que explora uma pseudo caipirice do povo belorizontino, abusando de um sotaque forçadamente colocado. Não conheço sua vida pregressa e acredito que 90% do que se diz dele, muito provavelmente é inventado pela oposição. Porém, votar nele significa dar um cheque para alguém que já se apresenta com uma face falsa. Normalmente nas eleições não deixo de votar num candidato pela sua compleição física, seu sotaque ou pelo seu estilo. Mas Quintão é demais para mim. Enterra minha ideologia numa fossa de um populismo barato, que, nem de longe chega aos pés do populismo Vargas.

De outro lado do inferno, temos um socialista-empresário-bem-sucedido. Isto, algo que na sua origem já soa estranho. Como disse, procuro não votar nas pessoas por suas características pessoas, visto que, para mim vale mais o enfronhamento ideológico e político-partidário. Por isto, já cortei de cara da minha intenção de voto nosso amigo Lacerda. Filho mal parido de Aécio e Pimentel, não conseguindo eu ainda definir dos dois quem é o provedor e quem o amamenta, sei que este coito embora não seja ilegal, é imoral. A oposição é sempre necessária num processo democrático, alimentando um zelo por parte da situação e em ambos o poder deve ser equilibrado. Esta aliança que nos foi enfiada pela nossa aliança, revela um acordo vil, entre os dois maiores poderes nacionais, que poderiam e deveriam se contrapor, para que um vigie o outro. A partir do momento que não existe esta vigilância, o poder reinante, fruto de acordos sabe-se lá de que natureza, manda absoluto. Lacerda, portanto, está descartado ideologicamente de minha opção de voto.

Em quem votarei? Bem, muito provavelmente anularei meu voto, numa demonstração ímpar de uma anti-cidadania de quem prega a cidadania inconteste. Sim, rendo-me à incoerência, para escapar destas algemas chinesas.

Mas e aí? E aí que vou sintetizar toda esta minha choradeira: O reflexo político é o eco de nossa postura política. A apatia e a indiferença anteriores do nosso povo, principalmente da juventude no que diz respeito à política, nos arremessa a um poço político sem fundo, um Tártaro que nos exila politicamente. Vamos nos envolver mais politicamente, participar de ante-mão, cobremos dos nossos políticos eleitos, principalmente no nível municipal. Participemos de sindicatos, associações de bairros e, entendam, ativamente o processo político que nos inserimos.


Por favor, ajudem-me na cidadania das próximas eleições...

sábado, 9 de agosto de 2008

“Al Bácara” – A Vaca

Em nome de Allah, O Clemente, O Misericordioso. Com esta exortação normalmente inicia-se todas as suras que compõem o Alcorão, livro sagrado do Islã.

O Alcorão é a palavra revelada de Allah aos homens, segundo a religião islâmica. Foi fruto do registro, por parte de escribas, das revelações recebidas por Maomé, profeta do Islã. Estas revelações foram recebidas em Meca e posteriormente em Medina. Trata-se de versículos, reunidos em sunas, pequenos livros, que tratam de assuntos relacionados à fé islâmica, à Allah, aos costumes e leis.
Examinaremos alguns aspectos de uma destas sunas, a segunda, com o título de “Al Bácara” ou A Vaca, que foi revelada em Medina e possui 286 versículos.
Podemos iniciar esta análise pelo título A Vaca. A palavra aparece no versículo 67:
“E de quando Moisés disse ao seu povo: Deus vos ordena sacrificar uma vaca. Disseram: Zombas, acaso, de nós? Respondeu: Guarda-me Deus de contar-me entre os insipientes!” (2:67)
E é o destaque de uma parte que fala sobre o castigo de desobedecer à Allah. Segundo Samir El Hayek, este versículo remete ao antigo testamento, mais precisamente no livro Deuteronômio:
“Quando na terra que te der o SENHOR, teu Deus, para possuí-la se achar alguém morto, caído no campo, sem que se saiba quem o matou, sairão os teus anciãos e os teus juízes e medirão a distância até às cidades que estiverem em redor do morto. Os anciãos da cidade mais próxima do morto tomarão uma novilha da manada, que não tenha trabalhado, nem puxado com o jugo, e a trarão a um vale de águas correntes, que não foi lavrado, nem semeado; e ali, naquele vale, desnucarão a novilha... Assim, eliminarás a culpa do sangue inocente do meio de ti, pois farás o que é reto aos olhos do SENHOR.” (Dt, 21;1-19)

Esta sura trás passagens que dizem sobre a finalidade de Allah ter enviado o Alcorão, através do Anjo Gabriel, para Maomé. Utilizam-se passagens do antigo e do novo testamento para admoestarem judeus e cristãos sobre o não cumprimento e a negligência perante a palavra de Allah.

As suras estão estruturadas em forma de recomendações e falam de vários aspectos práticos da vida dos crentes. Falam por exemplo de como os homens devem tratar suas mulheres, como se fossem suas sementeiras, para que sejam utilizadas como melhor lhes for conveniente e que devem guardar o período menstrual, quando a mulher estaria impura.

Outra passagem interessante é a que diz respeito ao comércio e à usura. Nascido no meio de um povo comerciante por princípio, o Alcorão censura a prática da usura, enaltecendo, contudo o comércio, como algo digno e que é de Allah.

Neste capítulo o Alcorão também cita dois dos cinco pilares do Islã, a esmola (Zakat) e a oração e volta a legislar sobre leis que já estavam na Bíblia.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

O Calango

Calango é uma lagartixa grande, vive nas pedras. Por ser animal de sangue frio, precisa do calor do Sol, fica quarando horas e horas, só observando o mundo. Eu era um calango. Calma, eu explico...
Nasci em 1970, no bairro São Geraldo, zona leste de BH. Nesta década, era comum calçar as ruas ao invés de se asfaltar. Quando se localizava um veio de pedras de calçamento, logo a prefeitura fazia pedreira, tirava calçamento e cascalho. Numa distância de 300 metros da minha casa tinha uma destas, bum! Todos os dias, ao meio dia, eram vários estrondos de dinamite. Na mesma distância, porém no lado oposto, tinha a pracinha, local mais chique, cheio de casas e ruas asfaltadas. Tinha até casas de dois andares. Eu sonhava em morar numa destas, mas logo tinha que voltar para a pedreira, na rua de terra e um barracão de quatro cômodos, sala, dois quartos e cozinha. Mas, apesar de não morar naquelas casas bonitas, eu era feliz, acho que até mais que eles que moravam no asfalto, pois conseguia brincar de finca e fazer papoto para bolinha de gude e tico-tico fuzilado.
O apelido de calango quem nos deu foi o pessoal da pracinha, pois jogávamos bola contra eles e como nosso time não tinha nome, fomos batizados de Calango Futebol Clube, nome este escrito a mão nas camisas Hering brancas, pela irmã do Luiz Doido. Eles tinham chuteiras e nós a incrível habilidade de jogarmos de pés no chão. Sempre ganhávamos, tanto que alguns de nós normalmente éramos chamados para integrar o time deles quando era disputa entre bairros, nesta ocasião, eles nos emprestavam algumas chuteiras.
Tinha o funk, mas não era como este de hoje em dia. Era James Brown purinho e íamos dançar um Brown na quadra do Firmino. Era, na realidade um forninho, uma quadra fechada, com muita gente. Meu quase irmão, Rogerinho, era o dançarino da região, dançava tal e qual James Brown, a quem tivemos a oportunidade de ver um dia na TV lá de casa, eu e minha turma toda, pois minha casa foi uma das primeiras a ter TV na pedreira. Eu me lembro disto, tinha sete anos, TV preto e branca, mas meu pai comprou um daqueles plásticos multicoloridos que colocávamos na frente do vídeo e alardeávamos aos quatro cantos que tínhamos uma TV colorida, para ver O Homem de Seis Milhões de Dólares e Vila Sésamo. Ficávamos eu, Josequinha, Neném, Waguinho, Lelé, Paulinho, Cidinho e André.
Logo pela manhã o Rogerinho aparecia na porta lá de casa, chamando a mim e a meus três irmãos para vê-lo dançar. Ele pedia um copo de café com leite e um pão com manteiga em troca. Claro que pagávamos, pagamento pequeno pelo espetáculo. Eu não entendia muito bem porque ele não queria tomar café na casa dele com os onze irmãos. Cidinho paparia era do tipo conquistador, dede cedo paquerava todas as meninas da rua, mandava cartas e fazia juras de amor eterno. Beijando ou não as meninas, sempre contava para tudo mundo. Estranhamente elas gostavam disto.

Josequinha e André eram meus melhores amigos, destes que te colocam em todos os tipos de confusão. Lembro-me do dia que tínhamos comprado bombinhas, voltamos colocando latinhas de massa de tomate em cima dos pequenos explosivos acesos. De repente, subia a latinha a alturas astronômicas para nós. A alegria durou muito, até que uma destas latinhas caísse no telhado da casa de um policial, cuja esposa estava grávida. Que falta de paciência a dele, saiu correndo de casa, calças ainda um pouco arriadas, a nos perseguir. Imediatamente, André me deu um empurrão, eu caí na rua e os meus dois companheiros fugiram, dobraram a esquina e sumiram. Eu fiquei, o policial gesticulava e apontava o dedo para minha cara. Olhei para a esquina, fiz a alegria dos meus amigos, que não paravam de chorar de rir, solidários com meu medo.
Mas minha mãe era uma chata, ia cedinho trabalhar, deixando minha avó de plantão para logo me colocar para tomar banho e ir para a escola. Queria ficar com todos os meus amigos, brincando na rua, mas ela insistia. Para piorar, minha mãe ainda me colocou para estudar longe, numa tal escola chamada Barão de Macaúbas. Cheio de gente chata que ficava rindo do meu cabelo e da minha roupa, não sei por que, pois enquanto a deles era comprada nas Casas Rolla, a minha era feita a mão pela Dona Orelina, nossa vizinha. Além do mais, eles ficavam vermelhos no recreio e eu não, era uma grande vantagem.
Com o passar dos anos, fui descobrindo que estudar longe era uma coisa boa, dava para conhecer novos amigos, mas fui ficando longe dos amigos de infância. Quando estava na sexta série, tive um problema na escola, com a chata da professora de matemática, a vassourinha. Apelido dado pelo cabelo sempre desarrumado e da cor de piaçava. Tomei bomba, mas foi até bom, pois no outro ano estudei tanto que passei direto em tudo com uma média de 95 pontos. Resultado: fui para a única sétima série que tinha de manhã, a dos CDF. Éramos eu e um garoto cheio de espinhas e óculos de fundo de garrafas de homens na sala, o resto era mulher, para colocar em ebulição meus hormônios de adolescente.
Meu pedaço ficou estranho de repente: o Rogerinho morreu. Não sabia que morríamos jovens. Ele estava num fliperama, foi morto a tiros, ele e um menino de doze anos. Dizem que foi por causa de droga. Logo depois morreu Neném, nunca souberam quem o matou e nem por quê. Morreu com um cabo de vassoura enfiado e com dois tiros, diziam na rua que era polícia, claro que não acreditei, a Rotam está aí para nos proteger. Um ano depois morreu Paulinho, acidente de moto, era louco também, gostava de fazer gracinhas de bicicletas. Alguns de nós sobrevivemos, eu, André, Josequinha. Cidinho, também, viveu muito, entrou para a polícia, morreu em julho do ano passado, num acidente com a viatura que ele dirigia no bairro Belvedere...

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Adeus às ilusões

Vercingetórix nosso grande líder gaulês morreu. Ele, logo ele que construiu em nosso povo um sentimento de igualdade entre os guerreiros, foi derrotado e preso por César, colocado em uma prisão e era obrigado a desfilar em praça pública acorrentado, fazendo os desejos do deus líder romano.
Foi demais para ele, que não sabia ser um não-livre. Antes de ir, porém, deixou as aldeias estruturadas, acreditávamos ainda nos deuses celtas. Plantou em nossos corações, antes de tudo, a certeza de que, nós, chefes de aldeias, deveríamos ser unidos e criar nossos povos com seus ensinamentos.
Mas Roma era implacável. Ser como romano é a única alternativa. Mesmo assim, alguns de nós resistíamos, cultivando a crença numa Roma com traços celtas, língua, costumes e tradições compartilhadas.
Souníx, meu grande irmão, chefe da aldeia ao lado, era um dos mais crentes e ferrenhos defensores desta possível cultura. Porém, apesar de toda a sua fé, acabou caindo, fulminado pelo imperialismo predatório.
Sinto-me só, está frio e vazio, resta migrar para longe, vou para o norte, onde homens bravos lutam por pequenos espaços a cultivar. Lá o desafio é grande, mas pelo menos tenho um desafio, nova crença, nova vida...
“Séculos mais tarde o Império Romano do Ocidente ruiu, ou melhor, foi absorvido por uma cultura românica, concretizando o sonho de Vercingetórix e Souníx. Porém, eles e o autor deste fragmento já haviam morrido...”
Texto escrito para dois grandes amigos e exemplos de vida que saíram do meu convívio diário, mas continuam ativos através dos valores e crenças transmitidos à mim.

Alexandre de Oliveira.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

No Banheiro

Uma aventura hilária-psico-claustrofóbica.
Explico:
No Banheiro[1] é o primeiro curta das diretoras Cecília Gabrielan e Rebeca de Paula, com a produção executiva Cristiano Ramos Romanelli e a sua turma, 2008/1, da Escola Livre de Cinema. Apresenta as “masturbações” mentais de um homem de cerca de trinta anos, que desenvolve uma relação única com seu banheiro.
Rodado quase que inteiramente num banheiro, consegue nos prender de forma magnética num único cômodo da casa. Cômodo este que nos transforma em narcisos, palhaços e amantes. O filme investiga de forma invasiva e inusitada a mente do protagonista, que bem poderia ser a nossa mesma. “Conhecemos a pessoa pelo seu banheiro” diz o pensamento da personagem, enquanto uma torrente de imagens distintas revela várias facetas de nossas “doenças” secretas, únicas e deliciosamente conhecidas apenas por nós mesmos.
Com uma linguagem simples e ao mesmo tempo rica, o filme aplica de forma sutil um pano de fundo repleto de símbolos conhecidos que compõem o universo que poderia ser o de cada um de nós espectadores.
A turma estava realmente inspirada e eu tive o privilégio de curtir a pré-estréia deste grande trabalho. Para quem não viu, ainda tem nova chance neste sábado, dia 09/08/2008. Acredito que, muito provavelmente o filme seja posteriormente disponibilizado na Internet.

Obras Citadas
[1] DE PAULA, Rebeca; GABRIELAN, Cecília (Diretoras). ROMANELLI, C. R. (Produtor Executivo) et al. (2008). No Banheiro [Filme Cinematográfico]. Escola Livre de Cinema, Brasil.

Episteme Grega e a Ciência Moderna

Introdução

O presente trabalho, feito para a cadeira de História da Ciência e da Técnica, pretende fazer uma breve pontuação das diferenças entre a Episteme Grega e a Ciência Moderna, tomando, numa visão diacrônica, alguns conceitos de ciência.
Não há aqui, a pretensão de uma visão detalhada de ambos, até porque, geraria um compêndio de volume generoso, pois devemos nos lembrar que fazer esta comparação nos levaria a síntese de uma disciplina.
Estudar, mesmo que de forma seccionada um ramo ou assunto na ciência, requer uma minuciosa pesquisa, a leitura de pensadores da área e uma crítica muito bem fundamentada, pois, para que se faça de forma adequada. A própria História da Ciência e da Técnica, deve-se constituir como uma ciência, composta de método, quantificação, análise contextual e semântica, além de uma boa dose de pesquisa.
Portanto, procurarei ser mais generalista, dentro da proposta da prova que gerou este trabalho e não aprofundarei em detalhes, que, embora fascinantes, devem ser fruto de uma pesquisa mais focada.

A Episteme Grega

Ao cursar uma matéria de tópicos em História Antiga, deparei-me com um texto onde certo cidadão ateniense chamado Felipe admoestava seu filho “Não tens vergonha, diz ele, de tocar [cítara] tão bem?”[1], este diálogo ocorre num banquete entre comensais que acabavam de escutar o jovem executar uma peça. Distingui-se neste momento histórico o artesão e sua obra, sendo que o primeiro não era valorizado, enquanto a segunda apreciada, principalmente por um membro da aristocracia que “... dispõe de ócio e dá bastante às Musas, quando assiste como espectador a concursos onde se defrontam outros que não ele...”[2], tal postura revela uma faceta dos gregos da Atenas de aproximadamente Séc. III a.C., onde o trabalho não é digno de homens livres e sim de servos e metecos[3].O trabalho do artesão não é nada, mas seu produto pode e deve ser apreciado.
Obviamente, a noção de ciência dos gregos é baseada em seu contexto cultural, pois tomando por base as idéias de Thomas Kuhn, citadas pelo prof. Mauro Condé, a ciência é filha de seu contexto espaço temporal, sendo que não se pode falar em verdades científicas, mas visões da ciência. Tomando por base esta idéia, podemos deduzir que a ciência grega, é tipicamente de contemplar (qewri,a), pois o verdadeiro “trabalho” dos gregos é o de pensar. E pensando na essência das coisas (ontwj), sim esta era a busca daquele contexto.
Obviamente existia diferença de pensamento entre os atores deste recorte. Platão, por exemplo, acredita na essência das coisas num mundo das idéias, que se reflete no mundo material em seu modelo de platonismo. Isto poderia ser traduzido pelo mestre como sendo sua doutrina das idéias, onde os objetos do conhecimento se distinguem do mundo natural, sendo o segundo uma conseqüência dos primeiros. Contrária, neste ponto, é a idéia aristotélica, onde ele discursa sobre a essência das coisas, peça fundamental no seu entendimento, pois ela é “...algo sem o qual aquilo não pode ser o que é...”[4], ou seja, a essência é fundamental e a realidade em si. A reflexão aristotélica é baseada na observação direta, mas uma observação contemplativa e que normalmente gerava uma teoria do senso comum, sem um contato com o objeto de pesquisa ou com uma metodologia que o levasse a comprovar o fruto da contemplação. Podemos sintetizar a episteme grega como sendo a contemplação para atingir a essência das coisas, sem experimentos empíricos.
Uma das possíveis leituras da ruptura da episteme grega para a ciência moderna é uma que passa pela visão de mundo de Aristóteles neste momento. De acordo com a filosofia aristotélica de mundo,
“Um universo ordenado e hierarquizado segundo graus de perfeição: o perfeito (o mundo dos céus, o mundo supra-lunar) e o imperfeito (o mundo da Terra, o mundo sub-lunar). Mundos irremediavelmente separados por serem realidades distintas e opostas: suas regras de organização se oporiam tão radicalmente como o que é perfeito, incorruptível e imutável se opõe ao que é imperfeito, corruptível e mutável.”[5]
Esta visão perdura no ocidente, por ser compatível com um momento de “ciência” do “óbvio”, da observação simples, ou do senso comum. Aristóteles segue influenciando várias escolas ao longo do tempo, inclusive a dos Alexandrinos, que com algumas exceções, utilizam os conceitos deste para fundamentar suas teorias.
Vários séculos mais adiante, as idéias aristotélicas ganham novo impulso no ocidente medieval através de, principalmente, dois filósofos árabes. O primeiro deles foi Abu Ali al-Hussein ibn Abd-Allah ibn Sina, ou simplesmente Ibn Sina ou Avicena, que, no Séc. X escreveu várias obras sobre filosofia e medicina, baseando-se em Platão e Aristóteles. Formulou uma teoria de mundo claramente inspirada na filosofia aristotélica, composto por três partes, o mundo terrestre, o mundo celeste e Deus (primeiro motor), podendo-se fazer uma comparação com os mundos sub-lunar, supra-lunar e o primeiro motor aristotélico, embora haja diferenças nestas concepções. O segundo filósofo foi Abu al-Walid Muhammad Ibn Ahmad Ibn Munhammad Ibn Ruchd ou Averróis, que viveu no Séc. XI e escreveu algumas obras filosóficas e de cunho jurídico, porém com forte influência religiosa. Uma das suas mais célebres obras foi A Destruição da Destruição, onde defende idéias de um neoplatonismo, bem como as idéias de Aristóteles.
Abstraindo além da grande contribuição da obra de ambos pensadores, o que mais importa no contexto da presente análise é exatamente o fato deles “ressuscitarem” Aristóteles na Baixa Idade Média, de forma que seu pensamento fosse resgatado e reconsiderado como de grande importância para a então corrente dominante do pensamento ocidental: o cristianismo.
Através de São Tomás de Aquino, o Santo Filósofo da Idade Média, o aristotelismo volta como base de uma filosofia cristã, que encontra aí, um conjunto de idéias que podem ser ressignificadas em consonância com o pensamento vigente de então. O motor que a tudo move de Aristóteles recebe agora a similaridade do Deus cristão. Estava assim, consolidado o modelo aristotélico-tomista, que conferia a ambos pensadores legitimidade referencial.


A Ciência Moderna

A ruptura deste pensamento desenha-se de algumas maneiras dependendo dos pesquisadores. Para Robert Merton, por exemplo, a ruptura ocorre por volta do Séc. XVII, por causa de eventos e modificações sociais que têm duas origens interpretativas: Karl Marx e Max Weber. Para Merton, a explicação do nascimento de uma ciência moderna, passa pelas teorias marxistas da aplicação de uma pesquisa na melhoria dos meios de produção, necessários para um aumento da produtividade, por uma demanda gerada pela transformação na esfera econômica do contexto. A segunda tese dele passa pelo mesmo contexto, porém reforçada pelas idéias de Weber descritas no livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, onde o autor aponta para uma postura puritana frente às relações econômicas do nascimento do capitalismo moderno. Por esta visão, os atores, impulsionados por uma convicção de que a necessidade de uma justificativa de se cuidar bem dos negócios terrenos para edificar a obra do Senhor.
Outra interpretação é a de Paolo Rossi, para quem a ruptura se fez quando o homem começou a dar importância para a técnica, que começa a ocorrer por volta do Séc. XVI. Embora de acordo com sua tese, o mero interesse pela técnica não teria sido o único pretexto para a ruptura do pensamento científico, pois há a busca por um refinamento das técnicas devido a vários fatores, como, por exemplo, o desbravamento das navegações. Esta necessidade de conhecimento carece do interesse do saber formal, além disto, era preciso que o saber fosse sistematiza, além de embasado.
Para ele, um alquimista que busca uma fórmula mirabolante sem fundamentações ou uma prescrição rígida, com mensurações precisas, ou seja, carece de fundamentação teórica e de metodologia. Outro fator que entra muito forte é a capacidade de impacto social do saber científico, pois embora existissem mestres experimentadores neste contexto, faltava a aplicação dos aprendizados coletados na vida. A aversão herdada do classicismo helênico ao trabalho vai, aos poucos, se desfazendo neste contexto, exatamente pela importância e necessidade de inovações tecnológicas do período. É exatamente neste momento que se verifica a “... união entre as concepções científicas e a vida ativa...”[6] Paolo rossi, pág 32, possibilitando o uso social dos conhecimentos e da técnica na vida.
Dentro deste mesmo “caldo contextual”, mas como um capítulo à parte, vem apontado como um dos expoentes da ciência moderna, Galileu Galilei, que no Séc. VXII, através de um telescópio consegue fazer observações da Lua e o que ele observa na Lua é “...um relevo acidentado, com montanhas e vales, de forma semelhante à Terra...”[7], o que empiricamente ou através dos sentidos, destrói a idéia aristotélica do mundo Supra-Lunar, pois, segundo o grego, este mundo seria perfeito. Ao refutar através da observação a teoria aristotélica-tomista. Não é uma constatação de um simples equívoco, mas da refutação da sustentação de toda uma filosofia de época.
Galileu inaugura o método experimental. Este acrescido das práticas do método indutivo, em oposição ao método dedutivo de Aristóteles, passa a compor o rol das práticas de uma ciência moderna, que se difere da episteme grega em seu método; seu experimentalismo e possibilidade de reprodução, além do uso de uma linguagem comum, matemática, que fundamentam a linguagem universal da mesma. Além disto, a ciência moderna consegue uma certa “previsibilidade”, através da probabilística e da estatística, fundamentadas sempre em “receitas” seguras.

Conclusão

Em síntese a ruptura se fez quando a ciência se alia à técnica para o domínio da natureza, uma ciência que tem impacto social. Ela muda os pensamentos e hábitos, cria uma nova cultura, é quantificável, mensurável e pode ser reproduzida dentro de experimentos indutivos. Estes geram certa previsibilidade dos sistemas.

Bibliografia

Austin, Michel, e Pierre Vidal-Naquet. Economia e Sociedade na Grécia Antiga. Lisboa: Edições 70.
Condé, Mauro Lúcio Leitão. “De Galileu a Armstrong: as várias faces da lua.” CRONOS: Revista de História 42-56.
Moraes, Maria Célia M., e Paulo Rômulo Frota. CALCULANDO COM GALILEU: os desafios da ciência nova. 2000. http://coralx.ufsm.br/revce/ceesp/2000/02/a8.htm (acesso em 06 de 06 de 2008).
Rossi, Paolo. Os Filósofos e as Máquinas. Companhia das Letras.
Wikipédia. Google Inc. 2008. www.pt.wikipedia.org/wiki/Aristóteles (acesso em 2008 de 06 de 05).
Wikipédia. Wikipédia, a enciclopédia livre. 31 de 07 de 2003. http://pt.wikipedia.org/wiki/Avicena (acesso em 2008 de 06 de 04).
—. Wikipédia, a enciclopédia livre. 01 de 10 de 2004. http://pt.wikipedia.org/wiki/Averr%C3%B3is (acesso em 04 de 06 de 2008).


[1] (Austin e Vidal-Naquet s.d., 172)
[2] (Austin e Vidal-Naquet s.d., 172)
[3] Estrangeiros radicados em Atenas
[4] (Wikipédia 2008)
[5] (Moraes e Frota 2000)
[6] (Rossi s.d., 32)
[7] (Condé s.d., 44)

Autor: Alexandre de Oliveira

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Os Sertões - Euclides da Cunha

A Terra

Mary Anne Junqueira, discute o termo wilderness e suas conotações para a cultura norte-americana, pinçadas a partir da revista Seleções: The Reader’s Digest. Para eles o termo significaria terra erma, selvagem, inexplorada e perigosa, simbolicamente falando, a casa da besta. Terra ignota, esta é a melhor expressão que saquei do livro de Euclides da Cunha, para visualizar a sua descrição do Sertão e talvez o melhor termo para traduzir o wilderness da Mary Junqueira. Ignota, da qual se ignora. Ignora-se no sentido exploratório, científico e culto. O sertão assusta Euclides da Cunha, que sente o terreno mais forte que o homem, selvagem ele não vê paralelos com as categorizações de Hegel.

No início do livro, fazemos uma viagem por este sertão, partindo do Centro-Sul do Brasil, onde

“desata-se em chapadões nivelados pelos visos das cordilheiras marítimas, distendidas do Rio Grande a Minas” (Da Cunha, 2003, p. 26)

De São Paulo, passamos por Minas Gerais, seguindo o curso do Rio São Francisco para finalmente desembocarmos na Bahia. O autor faz uma descrição geológica e geográfica, falando do solo, das formações topográficas e do clima.

Dentre as formações orográficas, Euclides destaca a Favela e o Monte Santo, locais de reunião das expedições militares ruma à Canudos. Locais estratégicos pela proximidade de Canudos, imposição de relevo e tinham o clima um pouco mais ameno pela ação dos ventos reinantes intermitentes, bem como pela presença do rio Vaza Barris, local onde mais tarde veremos, foi edificada Canudos.

O clima é duro e insalubre para o ser humano. Com uma amplitude térmica que vai dos 35º durante o dia, oscilando para noites e madrugadas frias, solo incapaz de reter calor. A descrição das primeiras chuvas é algo sufocante. Após grandes ondas de calor, surgem as primeiras chuvas, que nem tocam o solo, são tragadas pelo ciclo da evaporação e realimentam as nuvens cumulus, para despencarem novamente. Ciclo claustrofóbico e seco.

Como que antecipando uma preocupação ambiental, Euclides apresenta uma hipótese sobre a seca, onde coloca o sertanejo como principal culpado pelas secas, apresentando as técnicas de cultivo e aragem do solo. Euclides chega a dar receita para o fim das secas, tomando o exemplo dos romanos e dos franceses, demonstrando novamente uma “fé positiva” a ponto de Euclides dar a receita para o fim das secas, tomando o exemplo dos romanos e dos franceses, homens ditos civilizados, contra os sertanejos, produtos do meio selvagem que vivem. A caatinga é única e não encontra, segundo Euclides da Cunha, paralelos nas tipificações científicas, que extrapolam o meio físico e forjam os homens que nela habitam.

A flora é um tema também explorado, ele nos apresenta o umbuzeiro

“Sócia fiel das rápidas horas felizes e longos dias amargos dos vaqueiros” (Da Cunha, 2003, p. 76)

uma verdadeira panacéia para a sede e a fome dos sertanejos. As favelas, plantas arbustiva, que dá frutos, confunde Euclides por apresentar

“um traço superior à passividade da evolução vegetativa...”. (Da Cunha, 2003, p. 71)

Confundo por se mostrar forte e cuidar da força do sertanejo, mesmo apresentando-se rústica e vencedora do clima e das condições onde vive. Planta que tem orvalho refrescante, mas ao mesmo tempo queima abrazadora com suas folhas. Desfilando ainda a descrição dos juazeiros, mandacarus e xiquexiques, apresentando suas características biológicas, bem como a forma como estes vegetais vencem as condições onde vivem. Aparentemente estas características confundem a ciência positivista euclidiana, que rotula a natureza de bárbara e rude.

A leitura feita por mim, indica uma relação de amor e ódio de Euclides com o sertão, ele o descreve de forma crua, com toda a sua rudeza e força, mas ao mesmo tempo o chama de “paraíso” e aparenta uma admiração no tom da escrita, principalmente ao descrever o fim da seca, com o tempo das chuvas e a volta do verde à caatinga. Luz, beleza e fértil, esta é a visão dos seis meses venturos, período apelidado por Euclides, por apresentar uma beleza rara e deslumbrante.

Neste contexto fica Canudos, o lugarejo onde se desenrola a trama da guerra de 1896-1897. Um lugar inóspito, estranho, tão estranho quanto o povo que lá habita, fascinante, tão diferente como sua gente. Uma forja, onde o terreno é a bigorna e o clima, o martelo inexorável, moldando o homem que é, antes de tudo, um forte.


O Homem

Neste segundo livro da obra, Euclides da Cunha faz uma longa discussão sobre a formação do povo brasileiro em sua composição racia[1]l, passando pela formação da mistura ao seu valor, desvelando, guiado pelo pensamento positivista, uma desigualdade evolutiva das raças, colocando o jagunço como uma raça de baixo estamento, em detrimento das outras. Toda esta discussão tem uma finalidade e endereço certo: tentar explicar Antônio Conselheiro.

Atavismo é o termo utilizado pelo autor do livro para se referir ao Conselheiro. Embora atavismo pelo dicionário se refira à herança de características de ancestrais remotos, para biólogos e antropólogos, o termo revela uma profundidade maior: é a involução de uma determinada espécie, ou a adoção de características de ancestrais menos evoluídos para que se posso adaptar a novas situações.

A ciência positiva novamente falha. Não sabe explicar o Conselheiro. Embora rude e com aspecto bárbaro para o recorte espaço temporal dele, mostra-se muito inteligente, sagaz e articulado. Consegue movimentar uma massa de pessoas e ao mesmo tempo é um excepcional líder. Porém, como explicar que Conselheiro, um típico sertanejo, articule de forma excepcional sua capacidade de agregar e guiar. Visionário, Euclides o taxa de louco e degenerado, produto doentio do meio atrasado onde vive. Chega a considerar que se ele vivesse em outro meio, seria apenas mais um

“...na turba dos nevróticos vulgares...”. (Da Cunha, 2003, p. 199)

Embora não o cite explicitamente, a concepção sociológica de Emile Durkheim é forte, pois para o pai da sociologia

“...o indivíduo, visto de maneira isolada, não pode ser considerado objeto ideal para o estudo da Sociologia e, portanto, um elemento inadequado para o estudo e a compreensão apropriada do conceito de “fato social”. O que realmente interessa à vertente durkheimiana é o enfoque no indivíduo inserido no contexto de uma realidade social objetiva que, encontrando-se acima dele, caracteriza-se por ser grupal e, por conseguinte, coletiva.” (QUINTANEIRO, 2002)

A todo momento isto é enfatizado por Euclides da Cunha no que se refere a Conselheiro.

Ao classificar Conselheiro como

“documento vivo do atavismo”, (Da Cunha, 2003, p. 199)

podemos fazer duas leituras da intenção do autor, uma considerar o líder de Canudos como aquele que é o legítimo homem pré-civilização, rude e selvagem, ou ainda, se considerarmos o termo ao pé da letra, aquele que foi fruto de uma regressão necessária, imposta pelo meio e com isto torna-se um forte. Assim como Darwin constata que os animais evoluem de acordo com o meio e que não é a raça mais forte que sobrevive e sim a que mais consegue se adaptar, o sertanejo, e em sua expressão máxima o Antônio Conselheiro, seria esta raça.

Ele descreve o homem brasileiro inicialmente como sendo fruto da mistura das raças negra, branca e índia, gerando o mameluco, o mulato e o cafuz. Fica claro na narrativa do autor, uma hierarquia de raças, onde a o branco é o fator aristocrático, a liga com a

“vibrátil estrutura intelectual do celta”. (Da Cunha, 2003, p. 98)

O índio leva certa vantagem ao negro, principalmente no nosso caso, pois é o elemento da terra, autóctone, consegue se adaptar melhor ao terreno e ao clima. Em obra posterior Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda explora um pouco desta visão, classificando o elemento indígena, com uma espécie de cavalheiro, similar ao português.

Voltamos ao tema do clima, nosso passeio pelo Brasil agora é dirigido a nos mantermos atentos às três divisões climáticas, destacando os climas mais amenos das regiões centro-sul e ao clima tropical do norte, iniciado a partir da Bahia, região que coincide com a localização de Canudos. Desta vez, porém, a digressão sobre as regiões climáticas tem um objetivo claro que é colocar a

“raça inferior, o selvagem bronco”, (Da Cunha, 2003, p. 114)

como dominador e vencedor deste meio, como já visto anteriormente como inóspito. Derrotando inclusive doenças. A teoria das raças volta a tona, pois mesmo considerando as misturas básicas supra citadas, a raça sertaneja é um caso único, exatamente pela sua influência externa.

A viagem prossegue, desta vez através de outra dimensão: o tempo. Agora já próximo a Max Weber, Euclides da Cunha cria tipos e os mistura com as já descritas raças, ainda na explicação da gênese do sertanejo. Fala da agitação de três séculos de Brasil, dos paulistas, não propriamente de São Paulo, mas também de mineiros e cariocas, porém dotados do que Sérgio Buarque de Holanda chamaria de tipo aventureiro, capaz de desbravar os mais longínquos recôncavos em busca de aventura e que não se ligavam muito à um determinado lugar. Diferindo, sobremaneira dos sulistas, segundo Euclides da Cunha,

“um povo estranho de mestiços levantadiços, expandindo outras tendências, norteado por outros destinos, pisando, resoluto, em demanda de outros rumos, bulas e alvarás entibiadores...”. (Da Cunha, 2003, p. 118)

O sertão ainda seria agitado pela dominação holandesa, que forçosamente reuniu as três raças em resistência, temperando este contexto, também, pelos levantes negros, a se destacar no livro o episódio de Palmares. A predominância no norte, porém, é do elemento autóctone, principalmente do índio

“...ali existiam 2.000 brancos, 4.000 negros e 6.000 índios...” (Da Cunha, 2003, p. 125)

cita o autor ao demonstrar uma conta do início da marcha do branco pela Bahia. Aparece no livro, também, a idéia de branqueamento da raça brasileira pelos cruzamentos sucessivos e predomínio da raça mais forte, a branca. Este pensamento norteou por algum tempo a historiografia brasileira, principalmente nos primórdios do IHGB com Varnhagen. Esta tese em Sertões é corroborada pelo fato citado pelo autor de que o desaparecimento da raça indígena era muito mais pelos cruzamentos sucessivos que por uma política de extermínio. Tese, também, sustentada pela presença de outro tipo citado por Euclides da Cunha, o jesuíta, que protegia o índio, dando-lhe a ciência de ser um donatário natural da terra.

Nasce o jagunço, filho da mistura de raças, uma nova raça, forte, adaptada ao meio, parido com o sêmen paulista nas terras férteis do São Francisco, sob os auspícios dos jesuítas. Euclídes escreve o que seria uma célebre frase sobre o sertanejo que para ele é

“antes de tudo, um forte”, (Da Cunha, 2003, p. 157)

mas esta força não é sinônimo de beleza, muito pelo contrário, ele classifica o sertanejo como uma raça mais forte com os

“mestiços neurastênicos”, (Da Cunha, 2003, p. 157)

do litoral, mas como se fossem tipos

“Hércules-Quasímodo”. (Da Cunha, 2003, p. 157)

Embora o desqualifique, ainda encontra uma maneira de classificá-lo como um cavalheiro em sua armadura de couro. Novamente classifica-o em tipos, o vaqueiro trabalhador, o gaúcho e o terrível jagunço, violente, pouco heróico e guerreiro. Durante as descrições das tradições, festas como a vaquejada e a umbuzada, o que mais se destaca é a descrição da religião, pois marca um elemento importante e constitutivo da forte solidariedade mecânica da região.

Voltemos, neste ponto a Antônio Conselheiro. Euclides da Cunha descreve, num segundo momento, o líder de Canudos como um homem emblemático na região. Sua descrição de como ele aparece é de um ser quase mitológico oscilando entre o profano e o sagrado, o gnóstico bronco. Tinha várias faces, intrigantes e entrelaçadas. Era profeta, sábio e líder carismático. Euclides narra a história dele, contando sua origem na família dos Maciéis, num local entre Quixeramobim e Tamboril no Ceará. A briga dos Maciéis e dos Alves. Tem reveses em sua vida, que de certa forma ficara isolada dos problemas de família, pela educação que seu pai lhe dera. O primeiro grande revés é a fuga de sua esposa com um policial, o que o leva a migrar para o sul do Ceará. Começa, então sua peregrinação pelo sertão, que segundo Euclides da Cunha é o momento onde nasce o monstro dentro dele, já com aparência assustadora, passa a pregar em função da loucura dos choques da vida.

Suas pregações lhe rendem muitos seguidores, porém, uma grande pressão da igreja. É classificado como herege. A resistência da Igreja é formal, com bases legais, mas inútil, pois o sertão e seu povo conferem a ele uma legitimidade, o que faz a pressão só aumentar, até que se vê obrigado a fazer sua hégira para o sertão, assim como os grandes profetas, Moisés em sua peregrinação pelo deserto em busca da Terra Prometida e como Maomé, que foge de Medina rumo a Meca por pressões de grupos inimigos, Antônio Conselheiro e sua gente, que neste momento já era uma turba considerável, partem em busca do grande presente de Deus.

Param e fazem porto numa fazendo, conhecida como Canudos, à beira do rio Vaza-Barris e constroem sua

“Tróia de taipa”, (Da Cunha, 2003, p. 240)

que cresce vertiginosamente por causa do afluxo de gente dos povoados próximos. Tinha uma posição estratégica privilegiada, quase totalmente circundada pelo Vaza-Barris, com formações montanhosas pelos outros lados, encimada pelo alto da Favela. Tinha uma população formada por vários tipos, de negros fugidos ao homem livre, que tinham em comum apenas a devoção que dedicavam ao seu líder, quase religiosa. Com sua força carismática, conseguiu montar uma milícia de “bandidos”, jagunços fugitivos que juraram defender seu líder em troca do perdão do mesmo. Não mais bebiam, nem cometiam crimes, viviam para servir a Canudos. Obra prima de Canudos e desejo irrefreável de Antônio Conselheiro foi o templo da cidade, após erguer igrejas em vários locais, tinha o projeto da construção da maior igreja da sua vida. Executou seu projeto, arquitetado por ele mesmo graças às experiências anteriores, com a ajuda de seu povo, que trazia materiais, empolgado com o plano do líder.

Tinham rituais formais e rígidos, como a separação em grupos para os ofícios religiosos, as rezas e o “beija” imagens, criado pelo Conselheiro. Todas estas práticas fortaleciam, sobremaneira, a solidariedade da cidade, fazendo com que a comunidade andasse uníssona.

Conselheiro pregava contra a República, mas não por razões políticas, que segundo Euclides da Cunha, eram temas não tangíveis para ele. A coroa era a legítima representante de Deus para governar o Brasil. Ele não era monarquista por convicções, mas demonizou a República. Primeiro por ter expulsado Dom Pedro II do Brasil, depois por ter aumentado os impostos e por fim, o que, na visão do Conselheiro era prova viva de que a República era a representante do Capeta, o fato de terem decretado a legalidade apenas do casamento civil

“Casamento vão fazendo
Só para o povo iludir
Vão casar o povo todo
No casamento civil!”, (Da Cunha, 2003, p. 272)

Pelo relato de um missionário, enviado do arcebispo, temos a imagem de Conselheiro, a nítida visão do ser mitológico, com sua túnica, cabeça descoberta, barbas longas e um bordão. Até sua voz é díspar, profunda...

Este é o cenário e o início de uma guerra, sangrenta. Da vontade de um povo, contra a ciência de um governo republicano. Eles queriam sua terra, o governo, mostrar que nada atravanca o progresso. O resultado? Talvez o fim prematuro de uma experiência impar na nossa história, ouso dizer, um estado socialista em pleno sertão bahiano no século XIX.


Fonte

DA CUNHA, Euclides. OS Sertões. São Paulo: Ediouro, 2003 – (Coleção Prestigio)


Bibliografia

JUNQUEIRA, Mary Anne - Ao sul do Rio Grande (análise de Seleções do Reader´s Digest), Porto Alegre, editora da Universidade São Francisco, 2001.


QUINTANEIRO, T.; BARBOSA, M. L. de O.; OLIVEIRA, M. G. M. de. Um Toque de Clássicos. 2. ed. rev. e amp. Belo Horizonte: UFMG, 2002.


[1] A questão da existência de raças entre os seres humanos é um assunto polêmico e controverso, procurei apenas reproduzir estes termos, utilizados como base para grande parte das argumentações de Euclides da Cunha, sem me preocupar com sua validade teórica. (N. A.)

Autor: Alexandre de Oliveira

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

“Black Reconstruction”

I – Apresentação

Resenha crítica do livro “Black Reconstruction” de William E. B. Du Bois, sobre o período da Reconstrução Norte Americana (1865-1877), no enfoque da população negra. Trabalho realizado para a cadeira de América II, sob a orientação da Profa. Kátia Baggio.


II – Introdução

“Better keep your head don't forget
what your good book said Southern change
gonna come at last now your crosses
are burning fast Southern man

I saw cotton and I saw black
Tall white mansions and little shacks.
Southern man when will you pay them back?
I heard screamin' and bullwhips cracking
How long? How long?”

Trecho de Southern man, música de Neil Young, composta em 1970.
“Well, I heard Mister Young sing about her
Well, I heard ole Neil put her down.
Well, I hope Neil Young will remember
a southern man don't need him around anyhow.”

Trecho de Sweet Home Alabama, música do conjunto Lynyrd Skynyrd, composta em 1974.


Até quando? Até quando? Assim termina o brado nortista de Neil Young, em sua música Southern Man, escrita em 1970 (Southern Man), cobrando dos sulistas um pagamento pelo que eles fizeram aos negros norte-americanos durante a fase latifundiária escravista. A resposta dos sulistas veio quatro anos depois, pelas mãos e voz de Ronnie Van Zant (Ronnie Van Zant) e sua troup, o conjunto de Rock e Blues Lynyrd Skynyrd, curto e grosso, indo direto ao pondo, Van Zant diz para Niel Young que o “southern man don’t need aroud anyhow”. Uma análise simplista pode nos levar ao velho paradigma maniqueísta de se separar o bom e o ruim, o Sul escravista, onde vivem os “perversos” exploradores de escravos e os nortistas, cruzados que têm por grande objetivo a libertação dos negros, nos remetendo à historiografia pós-guerra, dominado pela visão nortista.

Talvez este tenha sido o pior conflito da história dos EUA, lançando o país num embata entre compatriotas. Durante este conflito, morreram 618.000 americanos combatentes dos dois lados. Somando-se todos os mortos norte-americanos, dos conflitos subseqüentes, até a guerra do Vietnam, temos um número menor: 559.000 mortos. Ou seja, se considerarmos o final do século XIX e meados do XX, a Guerra Civil é, de longe, o maior marco com relação a perdas. Segundo Peter Eisenberg em seu Livro A Guerra Civil Americana, existiram dois grandes motivos para a guerra, o movimento separatista, que se assemelha a movimentos ocorridos no Brasil recém-nascido como nação. O Sul dos EUA tinha a intenção de se separar do Norte, “Da mesma forma, o Governo Imperial Brasileiro teve que reprimir com armas a Confederação do Equador no Nordeste, em 1824; e a República de Piratini e a República Catarinense, criadas pela Revolução dos Farroupilhas no Rio Grande do Sul, em 1835-45.” (Eisenberg, 1990, p. 08). O outro grande motivo, e mais conhecido e comentado de todos, por todos nós: A Escravidão. Tema sempre controverso, que gera grandes leituras, releituras, contestações e concordâncias, no caso dos EUA pré-guerra, não foi diferente.

A obra de Du Bois, Black Reconstruction, faz menção a este período conflituoso, porém, antes de ser uma obra de historiografia, é um belo trabalho de sociologia, traçando um retrato dos tipos que compõem a América pouco antes do conflito. Escrito por volta de 1935, o livro apresenta os diversos grupos com suas características próprias, destacando seus interesses, necessidades e conflitos, para fazer uma síntese da guerra e o mais importante (dentro da perspectiva do autor): a Reconstrução.

É uma bela obra, principalmente para se conhecer um pouco mais deste autor, nascido em 1868, em Massachusetts, foi “filho” da reconstrução, pagando seus ecos e reminiscências. Sua obra fala por ele, forte e incisiva em alguns pontos, mas sempre ponderada e embasada.



1 – Guerra e Reconstrução: tipos envolvidos

A tipificação percebida por Du Bois, parte do trabalhador negro, passa pelo trabalhador branco e termina com o proprietário de terras, tudo isto com enfoque principal nos estados do Sul, onde estes personagens foram marcantes para a eclosão do conflito. Ele não exclui o Norte, até porque o principal reduto dos trabalhadores brancos era lá e é parte integrante e forte da sua linha investigativa. Tem uma influência marxista que fica clara pela maneira como ele contrapõe as classes, mostrando como o escravo negro e o trabalhar pobre branco se relacionam com os capitalistas do Norte e os fazendeiros[1] do Sul.

1.1 O Trabalhador Negro


Qual a importância do negro para os EUA do século XIX? Para responder a esta pergunta, Du Bois estuda a natureza do trabalhador negro e do escravo para este contexto, destacando sua importância, talvez crucial para a economia deste período, descrito pelo autor como o sustentáculo da economia sulista. Segundo o autor, o trabalhador negro, por volta de quatro milhões, foi muito importante economicamente, mas em sua grande maioria, alijado do processo político dos Estados Unidos, o que para a ética norte-americana, traduz-se num grande contra-senso, por serem eles preconizadores de uma terra livre e de oportunidades, além de um santuário da democracia contemporânea. Este número foi atingido ao longo da primeira metade do Século XIX, através do tráfico negreiro, formal e clandestino e pela reprodução. É importante sublinhar que quando se refere a trabalhador negro, Du Bois está falando de trabalhadores escravos, negros livres e mestiços afro-descendentes, de sangue branco-negro e índio-negro.

As condições de trabalho dos negros-escravos, são enfatizadas pelo autor, que segundo eles chega a ser melhor que os trabalhadores pobres da Europa, tinha casa, comida e as punições físicas e castigos não eram regra comum. Du Bois apresenta uma visão dos escravos sendo tratados razoavelmente por serem um “patrimônio” dos “planters” e eles não iriam por seu investimento a perder. Este caráter de propriedade do escravo fica explícito nos documentos citados na obra, através de expressões de posse. Além de propriedade, fica patente a idéia de um escravo infantilizado, que deve ser cuidado, como um menor incapaz ou talvez o mesmo status da mulheres na Atenas clássica, que careciam de auto-controle. Existe uma ética sulista que se apresenta como benfeitora para os negros. A importância do negro para a economia sulista reside no fato do

“Black labor became the foundation Stone not only of the Southern social structure, but of Northern manufacture and commerce, of the English factory system, of buying and selling on a world-wide scale...” (DU BOIS, 1992) p5

Ele analisa o impacto das plantations sulistas quando fizeram a substituição de gêneros como arroz e tabaco pelo algodão. Vindo na esteira da revolução industrial, elas alavancaram as manufaturas nortistas e o comercio europeu, para onde seus produtos eram exportados. As mãos de onde se iniciava o processo eram negras, escravas.

Du Bois passa a discutir o papel do negro dentro do processo eleitoral, tomadas as premissas da importância do mesmo e das bases da nação. Ele discute a interdição no direito de votar, disfranchisement, dos negros, antes da guerra civil. Alguns estados o fizeram explicitamente e outros utilizaram a técnica de voto censitário. O interessante é que em alguns estados, os negros livres tinham anteriormente direito de voto, como

“In North Caroline, where even disfranchisement, in 18335, did not apply to Negros who already had the right to vote...” (DU BOIS, 1992) p7

e outros estados, também, eram tolerantes ao sufrágio desta minoria e o autor os desfila. Muito antes de ser uma conseqüência da guerra como poderíamos ser tentados a pensar, estes direitos que existiam e foram perdidos, podem ser vistos como parte do estopim do conflito.


1.2 O Trabalhador Pobre Branco

A condição do pobre branco é bem destacada como da pior qualidade, sendo pior que a dos escravos negros, pois não eram encarados como “patrimônio” a ser cuidado e sim força de trabalho barata. Formada em sua maioria por uma massa de imigrantes e mestiços; tendo em alguns casos traços de sangue negro; esta classe formava a base de trabalho assalariada do norte. Quase sempre analfabetos, eles eram explorados ao extremo. Porém, no Sul, também havia os trabalhadores brancos, uma força mecânica livre utilizada nas plantations ou ainda em tarefas pouco valorizadas. Havia dois tipos básicos sulistas, os montanheses, os mais rústicos e em grande parte mestiços de índios e negros e os low lands, que se concentravam nas cidades e formavam, em alguns casos frágeis associações de trabalhadores livres.

Du Bois ressalta que a organização social dos trabalhadores brancos no Sul eram diferentes no Norte. Por ser mais matizado, indo dos miseráveis a alguns comerciantes, gerando uma espécie de classe média que interagia de forma clientelista com os grandes proprietários rurais, formando uma espécie de relação de clientelismo entre estes elementos. Porém, os pobres brancos do Norte e do Sul tinham uma relação conflituosa com os negros livres e também ambígua com uma possível abolição da escravidão: os negros livres seriam mais um elemento de competição no mercado de trabalho, em alguns casos um inimigo mais feroz, por aceitar trabalhar por menos.

1.3 Os Planters

Uma estatística acachapante apresenta “seven per cente of a section within a nation ruled five million white people and owned four million black people…” (DU BOIS, 1992, p. 32) e além disto fizeram da agricultura um empreendimento tão rentável quanto as indústrias do Norte.

Era uma espécie de classe de senhores feudais, reunindo brancos pobres e uma classe média em relações de interesse, inclusive com alguns brancos vivendo do comércio de escravos. Porém, grande parte dos brancos pobres viviam alijados da economia.

Os planters tinham uma posição privilegiada em relação aos capitalistas do Norte, por poderem negociar diretamente com os europeus produtos agrícolas que serviam para indústrias de base, se necessidade de beneficiamento. Esta situação, inclusive foi um dos grandes pontos de atrito antes da Guerra, pois estava desestabilizando a indústria manufatureira do Norte. Esta relação Europa Sul dos EUA, fez surgir no imaginário europeu uma tipificação do sulista como sendo um cavalheiro perfeito e educado em função de alguns representantes comerciais mais educados que faziam o intercâmbio. Segundo o autor a realidade era exatamente o contrário, pois em sua maioria não tinham estudo. Não tinham interesse na libertação dos escravos, muito pelo contrário, eram os negros que asseguravam esta máquina produtiva e o lucro dos grandes proprietários.


2) O Conflito e a abolição da escravidão (1860-1865)

Durante a Guerra Civil, Du Bois mostra a visão que os negros sulistas tinham dos envolvidos no conflito, enfoca muito mais os aspectos culturais que políticos neste contexto. Ele destaca um papel dos nortistas que os próprios protagonistas não tinham consciência,

“When Northern armies entered the South they became armies of emancipation. It was the last thing they planned to be. The North did not propose to attack property. It did not propose to free slaves. This was to be a white man’s war to preserve the Union, and the Union must to be preserved.” (DU BOIS, 1992, p. 55)

Com o correr do conflito, porém, o discurso do abolicionismo foi incorporado à propaganda oficial do Norte, um discurso que, como pudemos verificar pelos personagens envolvidos, não era uníssono. O Norte estava dividido, em estados e entre as classes. Como vimos anteriormente, os trabalhadores livres, por exemplo, não queriam este fim com medo da concorrência. Num primeiro momento, também os capitalistas do Norte não queriam desmontar a aristocracia sulista, por uma conveniência econômica, pois lucravam com o algodão vindo de lá, só queriam garantir que este viria e não seria entregue para a Europa.

A incorporação deste discurso foi levada a cabo pelo Norte de forma intensa, passando este a ser a principal bandeira dos líderes de lá. O próprio exército do Norte utilizou soldados negros em suas fileiras, prometendo, inclusive liberdade para negros do Sul que se juntassem a sua causa. Este discurso e as atitudes vieram a corroborar a abolição. Tanto que ao final da guerra, a conseqüência direta da vitória nortista foi a discussão em torno da abolição.


3) Reconstrução

Apesar de ter um exército mais bem preparado, a guerra foi perdida pelos planters, muito em função da sua postura escravista, mas não por ser origem do acontecimento, mas por ter sido incorporado a um discurso generalizado. Uma demonstração da importância deste foi o assassinato de Abraham Lincoln no dia 21 de abril de 1865, logo após o final do conflito. Interrogado sobre os motivos, o autor do crime cita a questão da abolição, dizendo que este pais foi fundado e sustentado por brancos e não por negros livres (DU BOIS, 1992).

Olhando para frente, o país estava dividido entre duas possibilidades de caminho para uma reconstrução.



Bibliografia

DU BOIS, W. E. (1992). Black Reconstruction. New York: Atheneum.
EISENBERG, P. V. (1990). Guerra Civil Norte Americana e Reconstrução. São Paulo.
Ronnie Van Zant. (n.d.). Retrieved Maio 15, 2007, from Wikipedia: http://en.wikipedia.org/wiki/Ronnie_Van_Zant
Southern Man. (n.d.). Retrieved Maio 15, 2007, from Wikipedia: http://en.wikipedia.org/wiki/Southern_Man
YOUNG, N. (Composer). (1970). Southern Man. Estados Unidos da América.
ZANT, R. V. (Composer). (1974). Sweet Home Alabama. [L. Skynyrd, Performer] Estados Unidos da América.



[1] Sei que posso estar cometendo uma falha grave ao chamar os Planters sulistas de fazendeiros, pois este termo empobrece a idéia que tem por traz daquele. Mesmo assim, ousei fazer isto por uma questão de objetividade. (N.A.)

Autor: Alexandre de Oliveira

domingo, 3 de agosto de 2008

Apocalypse Now: História e Contexto

Introdução

Um filme e sua época. Este texto tem como objetivo fazer um estudo do filme Apocalypse Now de Francis Ford Coppola, sobre a Guerra do Vietnam, fazendo, também uma análise do contexto onde foi produzido.

Não pretendo esgotar o assunto, visto que é muito vasto, mas gostaria de chamar a atenção para alguns fatores, como o desenrolar da história, sendo contada em três partes distintas, a subida pelo rio Nung, o encontro com os colonos franceses e o encontro com o Cel. Kurtz; pretendo também, explorar o contexto da produção, o final da década de 1970, quando da perda da influência da “nova esquerda” norte-americana e o retorno ao poder dos grupos conservadores de direita.



A História e seu Contexto

Dirigido, produzido e escrito por Francis Ford Coppola, o filme narra a história do Capitão Willard em uma missão secreta para eliminar o rebelado Coronel Kurtz. A história se passa no Vietnam e no Camboja, mais ou menos entre 1969 e 1970, quando o exército norte americano no Vietnam já apresentava séria degeneração.

A campanha norte americana no Vietnam fez parte de uma política expansionista dos EUA, numa fase iniciada logo após a II Guerra Mundial, quando o mundo se viu dividido entre dois grandes blocos: os capitalistas, liderados pelos EUA, que surgiu como a grande superpotência mundial depois do conflito mundial, muito em função de operar uma indústria bélica no referido evento, sem, no entanto, ter seu território como parte do palco de batalha; e do outro lado o bloco socialista liderado pela URSS. Era a chamada Guerra-Fria.

Após a retirada japonesa da região do Vietnam, a França reforçou sua presença, na esperança de manter parte do seu poder através da velha política colonialista, que já apresentava um declínio após a II Guerra. Porém sobe ao poder o governo Ho Chi Minh que tenta negociar uma retirada pacífica com a França. Esta se recusa e leva a disputa a uma série de conflitos, que culminam com uma derrota humilhante para França em Dien Pien Phu em 1954[1]. Neste momento, seguindo uma política de hegemonia e tentando evitar uma escalada comunista, já que o governo Ho Chi Minh era aliando dos chineses e conseqüentemente dos soviéticos, os norte-americanos aumentam sua influência local e apóiam a subida ao poder do governo Diem, herdeiro no Vietnam do Sul, dos franceses, já que o norte estava dominado por Ho Chi Minh e no Sul as forças guerrilheiras, conhecidas como viet congs, misturadas em meio à população rural escaramuçavam o tempo todo as tropas sul-vietnamitas. Porém, diante de grandes desavenças do governo Diem com vários grupos: camponeses, trabalhadores urbanos, budistas; bem como com a grande corrupção e o desrespeito às liberdades, contra-senso ao discurso norte-americano ocidentalizante e libertário[2] e em 1965, “Face à instabilidade da política interna, e das crescentes deserções do Exército de Saigon, Johnson [presidente dos EUA de então] resolve desencadear a escalada para evitar a derrota...”[3] o que leva ao Vietnam 600 mil soldados até 1968, número que no início da escalada era de 25 mil.

A guerra prossegue com alguma anuência da opinião pública norte-americana, até 1968, quando já minadas as forças terrestres, por não conseguirem uma acachapante e breve vitória como havia sido prometida pelos generais, acontece a ofensiva do Tet, o ano novo lunar, quando todas as cidades do Vietnam do Sul e as bases norte-americanas mais estratégicas são atacadas simultaneamente. Embora este ataque não tenha representado uma vitória militar definitiva, mesmo porque houve sérias baixas[4], representou antes de tudo o alto poder de organização e destruição do povo vietnamita, bem como a incapacidade de dominar e manter o terreno por parte dos EUA.

A opinião pública se volta contra a guerra, o ano de 1968 é marcado por uma série de eventos que trazem um forte questionamento a cerca da validade desta guerra, bem como uma visão mais consistente das esquerdas, inclusive da esquerda norte-americana. No palco de batalha os soldados começam a sentir fortemente os efeitos da mudança de postura da opinião pública, bem como o desgaste de lutar uma batalha interminável, o inimigo está em todos os lugares e ao mesmo tempo em lugar nenhum, “... os freqüentes massacres da população civil vietnamita por tropas americanas... além do grande impacto no Vietnã, afetam o moral de muitas tropas americanas, bem como da opinião pública...”[5]. Estes e outros problemas e entraves, como a luta anti-belicista, contra o serviço militar obrigatório, o grande contingente de negros e brancos pobres recrutados a força, o que espaçava os períodos de baixa do serviço militar, segundo o Cel. Kurtz, personagem do filme “Nossos praças e oficiais passam em média um ano no Vietnam, não são peritos nesta guerra e sim turistas... Com tal que cerveja gelada, sexo, rock’n roll e comida são o normal e o esperado por eles... Precisamos de menos homens, mas mais dedicados...”[6] Esta falta de perspectiva e erros estratégicos lança os combatentes ao vício do álcool e de drogas para tentar sublimar o sofrimento.

Este é o contexto da história do filme, que apresenta o Capitão Willard como um combatente que estava em Saigon perdido e alcoolizado devido a uma aparente neurose de guerra. Ele é convocado para uma missão secreta; localizar e eliminar o Cel. Kurtz. Ele é posto a bordo de uma lancha, com o codinome de Street Gang, bem conveniente para a tripulação da mesma, dois negros pobres, um branco pobre sulista e um famoso surfista que não sabe o que está fazendo naquele lugar.

A primeira parada deles é no meio do teatro de operações de uma brigada de cavalaria aerotransportada, comandada pelo Ten. Cel. Kilgore, um sádico que dizima inimigos e civis ao som da Cavalgada das Valkírias de Richard Wagner, identificado muitas vezes com a doutrina nazista na segunda guerra mundial. Tal alusão é significativa, pois apresenta um comandante que opera “legalmente” suas tropas, apresentando, porém um comportamento patológico próximo ao descrito do Cel. Kurtz. Qual a fronteira entre os dois, apenas a adesão a uma política norte-america, o que fica claro em seu gesto caricato de surfar em pleno bombardeio e de oferecer ajuda como amigo da população local.

Logo na seqüencia a Street Gang sobe o rio Nung[7], numa viagem psicodélica com lances surreais, como o encontro deles com o helicóptero danificado das playmates que faziam uma turnê de “divertimento” para os combatentes.

Durante a subida, um dos tripulantes do barco é morto, Bubba ou Clean, o negro que veio de um buraco do Bronx e a chegada em terras de colonos franceses que ainda mantêm a força suas posses. Este evento é carregado de simbolismos intencionais ou não, como por exemplo o enterro de Clean, quando o Chef o outro negro entrega uma bandeira dilacera dos EUA para o Cap. e diz “Capitão, aceite a bandeira de Tyrone Miller em nome de uma nação agradecida...”[8], lembrando as mortes em vão, principalmente de negros e brancos pobres, através de uma nação com a imagem suja e dilacerada. Outro evento notável neste ponto é o discurso dos franceses que repelem onda após onda de ataques, tanto dos orientais como de norte-americanos, uma alusão ao conluio dos EUA para expulsá-los de lá e garantir o bloqueio da influência das URSS através de uma política intervencionista, opinião esta ratificada pela fala do líder da comunidade francesa: “... é verdade, os vietcongs foram inventados pelos americanos... nós lutamos por algo, enquanto vocês americanos lutam pelo maior nada da história...”[9]. Estes eventos, mais a leitura do dossiê sobre o Cel. Krtuz, começa a transforma o Cap. Willard em uma pessoa atormentada quanto a sua opinião sobre o Cel.

Subindo mais o rio, já no Camboja, a lancha encontra o acampamento do Cel. Kurtz, que é uma espécie de guru que diz o que deve ser feito a suas tropas e um grupo de nativos. Ele expressa uma suposta pureza da guerra, feita de forma justa, muito embora o critério de justiça fosse o dele. Defende uma guerra autônoma, sem interesses e mentiras dos políticos e generais. Ele faz alusão a um quebra-cabeças que o Cap. Willard veio juntando ao longo do caminho para encontrar o Cel. que é o jogo político de Washington e do Pentágono. Willard é capturado e passa por uma lavagem cerebral. Por fim, graças às situações vividas e das informações recebidas pelo Cel., entende que tem que matar este, que estava doente e levar a frente sua missão.

O filme procura fazer-nos questionar o ponto de vista americano sobre o Vietnam, mas ao mesmo tempo não desmitifica a questão da derrota norte-americana, pois as feridas ainda estavam muito dolorosas.


A Produção e seu Contexto

Um filme diz mais do seu tempo do que do tempo que pretende retratar e parece ser esta a impressão de quem vê Apocalypse Now e coteja com a história dos EUA no final da década de 1970, início da década de 1980.

Esta época é marcada nos EUA por um declínio da chamada nova esquerda americana, nascida nos movimentos de valorização da juventude, nas universidades; nos movimentos negros; nos movimentos sociais e nos movimentos feministas. Esta nova esquerda foi responsável pelo questionamento do American way of life, que prega uma democracia liberal aliada a uma economia liberal de mercado. Com o mérito de ser o discurso da camada WASP (Withe, Anglo Saxon and Protestant) da população americana é marcado por ser a materialização da pré-destinação dos estados unidos como lugar dos vencedores e daqueles que se fazem com os próprios esforços. Essas esquerdas questionavam esta postura, lutando por mais conquistas sociais, herdeiras que eram das tradições comunistas dos antigos sindicatos de trabalhadores das décadas de 1920 e 1930; bem como defensoras dos movimentos negros que surgiam, depois de quase cem anos de um período frustrado para os negros pelas perdas políticas verificas ao final do período da reconstrução. Porém, esta esquerda começava a perder terreno novamente com a crise do petróleo de 1973, que reconduziu ao poder grupos conservadores e culminou com a eleição do presidente Ronald Reagan, trazendo um controle do mundo cultural e ideológico norte-americano. Este período ainda vivia o auge da guerra-fria e, segundo Eric Hobsbawn, foi o período onde se esteve mais perto da detonação de um conflito mundial.

Este dualismo está presente em Apocalypse Now, seja na fotografia, na postura do protagonista ou mesmo nos dois coronéis (Kilgore e Kurtz). A fotografia é clara, com um filtro vermelho em várias cenas, o que trás para o filme um tom de sangue, mas ao mesmo tempo tem tomadas de uma escuridão fechada, apresentando um contraste forte e significativo. Tem uma atitude conservadora no discurso imperialista, mas trás uma trilha sonora com o maior representante da contra-cultura de esqueda, o rock’n roll, com The Dors e os Stones.

O dualismo estava até mesmo na escolha do final por parte do diretor, que tinha dois finais, que ele não chamou de alternativos, mas que gerariam interpretações diferentes para o que ele estava tencionando: Os créditos apareceriam sob a cena da destruição do acampamento do Cel. Kurtz por ordem do Cap. Willard, porém o diretor Coppola queria que este fosse um herdeiro pacífico de Kurtz, que após matá-lo, baixa suas armas e dá o exemplo para que todos na aldeia fizessem o mesmo, logo depois ele pega o surfista Lance pela mão e simbolicamente o reconduz a uma nova era de paz.



Conclusão

Apocalypse Now é um dos melhores filmes de guerra que já vi, talvez até por ter sido produzido num momento dual para a cultura norte-americana, mas, também, por trazer fortes elementos da contra-cultura, como a denúncia aberta do uso de drogas pelos combatentes norte-americanos e a forte presença do rock. Quando eu assisti pela primeira vez a este filme, eu não sabia nada sobre esta guerra e o achei tão surreal quanto Submarino Amarelo do Beattles. Quando se conhece melhor os detalhes do conflito, mais eu gosto desta obra, pois tenta passar o que foi este caos (mesmo que ainda com um discurso conversador), para que nos previnamos mais a mais contra este tipo de conflito.



Bibliografia

Coppola, F. F. (Diretor). (1979). Apocalypse Now [Filme Cinematográfico].
Karnal, L., & al., e. (2007). História dos Estados Unidos. São Paulo: Contexto.
Átlas da história mundial. (2001). (A. V. Lessa, & e. al., Trads.) Rio de Janeiro: Reader's Digest Brasil.
Vizentini, P. G. Guerra do Vietname. Porto Alegre: Editora da UFRS.

Notas

[1] (Lessa & al., 2001)
[2] (Vizentini)
[3] (ídem, p. 61)
[4] As forças da FLN (Frente de libertação nacional) perderam perto de 20 mil combatentes. (Vizentini)
[5] (Karnal & al., 2007, p. 241)
[6] (Coppola, 1979)
[7] Pela descrição local, bem como o fato de conduzir ao Camboja, identifiquei este rio como sendo um afluente do rio Mekong ou o próprio. (N.A.)
[8] (Coppola, 1979)
[9] (ídem)
Autor: Alexandre de Oliveira

sábado, 2 de agosto de 2008

Pedagogia da Autonomia, pedagogia da consciência.

Isto é o cerne do livro, no meu ponto de vista, a grande questão em Paulo Freire é a tomada da consciência na educação, tanto pelo docente quanto pelo discente. A educação é posição política, construção do conhecimento em mão dupla e sentido da educação.
Teoria X prática, aluno X professor, estas relações são inicialmente abordadas por Paulo Freire para falar da pedagogia e do aprendizado-ensino. Segundo o autor, não existe ensino sem aprendizado, pois a arte de ensinar é uma construção histórica social que é tecida ao longo do percurso deste ofício. O contato do professor com o aluno é o momento para que ambos tenham uma relação que possibilite o aprendizado, pois “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender...” (Freire, 1996) e é nesta relação que a vida prática se constrói, da teoria à prática e novamente à teoria. Ele nos dá exemplos como cozinhar e velejar, onde o cozinheiro e o velejador conhecem seus ofícios, mas sempre o reinventam no contato com novas situações ou nas mesmas situações com algumas variáveis novas. Aliado a isto, o aprendizado é um ofício crítico, não pode ser um ato mecânico e programável como uma função automatizada, para falar desta relação dicotomicamente oposta, Freire apresenta dois tipos: o bancário e o problematizador, sendo o bancário o tipo autômato e o problematizador aquele que tem uma postura crítica com relação ao ensino-aprendizado.

Existe, contudo, a necessidade da existência de um método, é preciso que o educador estimule o educando ao pensar certo, que no dizer de Freire é o pensar crítico, fazer com que o educando encontre caminhos e alternativas para problemas propostos pela vida ou por ele mesmo na busca do aprendizado. Entrando neste método e nesta relação, a “dodiscência” ou a relação professor-aluno e a pesquisa. Pesquisa esta que é o elo fundamental entre a teoria e a prática, uma curiosidade epistemológica, ou seja, o estímulo à curiosidade crítica do saber. Tudo isto sem desrespeitar os saberes do educando, que traz consigo uma bagagem própria e de saberes únicos e próprios adquiridos em sua história e seu contexto cultural, os saberes culturais têm que ter uma intimidade com o esse saber cultural e o educador tem que saber utilizar-lo, esta liga fica mais consistente com o incentivo à uma crítica curiosa, o pesquisador tem que ser um ingênuo curioso, ou seja, suas perguntas são impulsionadas pelas mais “cruas” dúvidas, nunca sendo inibidas, mas transformadas em poderoso ecos de problematização. Segundo o autor, não existe criticidade sem curiosidade, pois aquela é filha desta e desta relação nasce o conhecimento, um conhecimento que desconfia da tecnologia, mas que a vê como “coisa” útil. O prazer do ensino é enfatizado pelo autor, pois a “boniteza” do aprendizado tem que ser elemento presente neste sistema, o prazer como atratividade ao aluno, que tem que se sentir atraído pelo mesmo, utilizando-se sistemas lúdicos e divertidos por vezes, de forma que a prática e a teoria se tornem atraente para os envolvidos nesta relação (Hoje em Dia).

O professor aventureiro tem que ter o entendimento de que o aprendizado é incompleto, uma eterna busca do saber pelo saber, sem uma funcionalidade tecnicista imediata. Onde existe vida, aí está o elemento do inacabado, o movimento, a releitura e a reconstrução; busca pelo pensar certo.

A autonomia é a capacidade de se guiar, se governar e buscar suas próprias experiências, incentivado sempre pelo bom senso do educador, que busca um equilíbrio para si próprio e para o aluno na relação ambivalente do ensino-aprendizado, tomada de posição ética e política e, além de tudo não perder a capacidade de se indignar com o mundo e suas mazelas. A educação não é passiva, apesar de não poder ser uma imposição da posição do educador e sim uma visão transparente de seu pensamento. Para que esta relação funcione, é preciso que haja respeito, bem querer ao aluno e acima de tudo o saber escutar.

Referências

Freire, Paulo. 1996. Pedagogia da Autonomia. São Paulo : Paz e Terra, 1996.
Hoje em Dia. Cidadão do Mundo: Prêmio "Eu Acredito". Jornal Hoje em Dia. [Online] Hoje em Dia.[Citado em: 15 de 11 de 2007.] http://www.hojeemdia.com.br/cidadaos/index.html.

Autor: Alexandre de Oliveira

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Função do Estado na Educação segundo Milton Friedman

A intervenção ou não do estado na sociedade de forma geral, entendendo-se estado como o “como o conjunto de instituições permanentes – como órgãos legislativos, tribunais, exército e outras que não formam um bloco monolítico necessariamente – que possibilitam a ação do governo...” depende muito da concepção ideológica sobre a economia do mesmo. Um estado de concepção liberal tenderá a não interferir no mercado econômico por definição, pois a lógica do mesmo é a da auto-regulação, através de uma competição livre, dada a Lei da oferta e da procura.

Seguindo esta linha, Milton Friedman reedita Adam Smith, que escreveu sobre a “mão invisível” que regula o mercado numa economia liberal. Chamada de neoliberalismo, por ser entendida como uma nova vertente do liberalismo clássico, a doutrina propagada por Friedman mantém os fundamentos de garantia dos direitos individuais e propriedade privada desta. A liberdade é garantir que o indivíduo tenha sua liberdade individual garantida pelo estado, ou seja, as leis regulam os limites do todo e de cada um para garantir este espaço. Porém, o papel do estado restringe-se a isto, pois após este ponto, ele não deve intervir.

A igualdade entra, então, como componente do estado, pois só através da mesma pode-se garantir a liberdade individual. A igualdade, contudo, pode ser vista de vários pontos, como, por exemplo, uma igualdade de meios e uma igualdade de fins. A igualdade de meios, parte do pressuposto que todos têm as mesmas condições iniciais para garantir o acesso aos recursos “livres”. A igualdade de fins é tentar garantir que todos tenham acesso da mesma forma aos recursos. E é exatamente aí que entra a idéia de educação expressa em Friedman: com uma idéia de igualdade de fins, o estado tenta equilibrar uma desigualdade inevitável numa sociedade liberal, garantindo o acesso a um sistema escolar. Este acesso, contudo, deve seguir ainda assim um método liberal. A escola tem que ser vista como um mercado, dotada de consumidores e fornecedores. Não haveria uma escola pública na acepção da palavra, porém uma verba pública para acesso a escolas privadas, eleitas pela livre escolha de pais e alunos. O estado serve para equilibrar o desequilíbrio social fornecendo, então uma verba para subvencionar um público que necessitaria de uma proteção. Esta subvenção, porém, deve ser limitada, visto que a intervenção do estado deve ser minimizada a fim de não contaminar o mercado. Além disto, deve ser voltada para empresas privadas, que têm competência e escala para crescer e atender a demanda do mercado consumidor.
Faço, contudo, um alerta: a educação vista desta forma, apenas como mercadoria, fere de forma letal um estado igualitário, que pretende ser justo socialmente. Apenas com uma equalização das oportunidades é que conseguiremos distribuir entre todos o quinhão de possibilidades. Acredito na educação como forma de transformação social, a mais forte e poderosa. Contudo, é preciso que a mesma atinja a maioria da nossa sociedade. O Estado brasileiro deve ser o percussor deste processo e não deve se omitir de ser o mediador e provedor da educação em todos os níveis.
Autor: Alexandre de Oliveira

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Educação como Direito Social

O estado de solidariedade orgânica trás em seu bojo o fator direito dos indivíduos como cola social e mecanismo de controle e proteção, diferentemente de uma sociedade de solidariedade mecânica, onde a vontade geral do grupo é a cola e a mola mestra social. Tomando-se por princípio a educação como constituinte basilar da cultura, temos que a mesma é fator de importância na constituição da sociedade, portanto alvo de disputas políticas e de interesses. Como direito, a mesma passa a ser alvo de interesse individual, como fator inclusivo e transmissor e mantenedor da cultura. Este direito encontra-se no campo legal, formalizado pelas Leis que procuram garantir aos indivíduos um “estado de bem estar social”, focado na tríade máxima da Revolução Francesa, relida num contexto contemporâneo do pós-guerra.

Posto o interesse individual e o coletivo como fator político, há o conflito de interesses colocado no campo das disputas e conquistas, sendo que esses interesses variam de estado para estado e de governo para governo. Entendendo o estado como o aparato estrutural da sociedade e o governo as ações sobre este aparato, a educação volta-se para os interesses do estrato dominante, conflitando com a necessidade educacional individual. O estado neoliberal, por exemplo, necessita de uma educação funcionalista, com uma clara finalidade voltada para o mercado, impondo uma lógica de formação técnica, consolidando uma cultura de produção. O indivíduo, por sua vez, pode ter interesse em ter contato com uma educação mais voltada para uma produção cultural livre, que o aparelhe para pensar e difundir conhecimentos sobre sua sociedade. Normalmente prevalece a lógica do estado, que se organiza e articula para garantir no ensino o que se propõe sua coerência interna. Aliado a isto, coloca-se o papel dos excluídos da educação, que não somente se fazem cidadãos de segunda categoria, como deixam de participar da lógica do estado. Analisa-se muito pouco o direito do acesso ao mesmo nos quadros educacionais formais apenas como direito e sim como um estigma social que o marca como inepto a se tornar cidadão.
Estas discussões sobre a finalidade da educação desembocam na discussão de até onde a mesma deve ir como direito, educação fundamental ou ensino superior? Como fazer o acesso às instituições? O direito de acesso ao ensino superior é mais complexo pela baixa demanda de vagas em universidades públicas, instituindo-se uma lógica meritocrática de acesso à mesma. Regra esta altamente questionável, visto que os méritos podem ser distintos, assim como são distintas as habilidades e dimensões do ser humano.
Autor: Alexandre de Oliveira

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Tuareg

Por que começar este blog com uma obra literária?

Tuareg é uma obra que tem uma boa narrativa, apresenta a cultura de um povo com características próprias, entremeada numa trama interessante.

É uma boa ação.

A obra história deve ter alguns destes elementos, ter uma boa problematização (trama), narrativa fluente e atraente (coerência, coesão e lógica), além de ser centrada em apresentar o contexto cultural que se propõe.

Vale à pena ler Tuareg e, por extensão, ler boas obras históricas sobre o Oriente Médio.

Veja mais: http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=374942&sid=01582302310730278834045567&k5=1C4B94DE&uid=

Autor: Alexandre de Oliveira